quarta-feira, 7 de julho de 2021

Pedra e cal- carne e osso! Vila Rica do Ouro Preto Emancipada!

"O orgulho urbano é feito da imbricação entre a cidade real e a cidade imaginária, sonhada por seus habitantes e por aqueles que a trazem à luz, detentores do poder e artistas." (Le Goff, Jacques. Por amor às cidades.pg.119)

A criação de uma Vila traz como pressuposto a urbanidade e a civilidade, mas é preciso entender que bem antes deste processo de emancipação os espaços vêm sendo ocupados ao longo do tempo. Em Vila Rica também foi assim, sua criação deu-se a partir do ajuntamento de vários arraiais já existentes. Nestes tempos este espaço está ocupado por mineradores, aventureiros, escravizados, ricos e pobres. Cabendo pontuar que também os povos originários, afastados pelo ambiente instável e violento dos povoadores acabaram por serem afastados e silenciados de nossa história.


Pico do Itacolomi visto a partir do Morro de Sant'Ana

A construção do imponente edifício da Casa de Câmara e Cadeia é o grande símbolo de preda e cal da emancipação política de Vila Rica do Ouro Preto, lá se fazia a vereança e a administração da Justiça. Sua construção teve início em 1º de junho de 1785, muitos anos após a criação da Vila, tendo se estendido  até meados do século XIX. A seguir apresentamos fragmentos do livro de arrematações e contratos de obras públicas, com alguns deles feitos para a realização das obras de cantaria, telhado e do Relógio da Câmara. O Prédio em construção e a cidade em formação. 


Conclusão da construção das obras de alvenaria

Obras de cantaria - Aformoseamento do edifício


                                                                                
Arrematação das obras do telhado


Mas, nem só a pedra e o cal são sinais de emancipação... Para falar da construção da cidadania Ouro-pretana de carne e osso, é preciso falar de sua gente, neste sentido, é preciso dar visibilidade aos esquecido e silenciados. Nossa escolha foi apresentar, através destas páginas do Livros de classificação de Escravos do Fundo de Emancipação do Município de Ouro Preto-1873-1880, uma ação de liberdade. Antes da abolição da escravatura, nomes, profissões e idades desenham o rosto da grande massa humana que ajudou a construir a urbes e formou o grande contingente de anônimos, sem sobrenome e com uma rica história a ser rememorada. São pretos, partos, cabras, homens, mulheres, costureiras, ferreiros, mineiros, fiandeiras, bordadeiras, canteiros, ferreiros...




Para encerrar nossa homenagem, o documento escolhido representa o exercício da cidadania. Segue abaixo o Título eleitoral de Ithamar de Paula Jorgino, datado de 1938. Uma última reflexão: Ouro Preto só é assim porque quem construiu sua emancipação foi sua gente!!!!!!!! Parabéns Vila Rica Do Ouro Preto.





Postagem e Revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira








domingo, 14 de junho de 2020

Visibilidade e transparência: o conhecimento e uso de novas ferramentas para a aproximação entre o Arquivo e seu público

                                  
                      

No ano corrente, o mundo parou por algo até então desconhecido das gerações atuais: uma pandemia. Neste momento tão complexo, em que pessoas se veem obrigadas a se reinventar em um período tão curto de tempo, o distanciamento social é a solução mais viável para atenuar a proliferação de infecções por Coronavírus. E, em virtude disso, a 4ª Semana de Arquivos apresenta o desafio de transpormos o ambiente físico para o virtual, visando ações inovadoras que contribuam para a divulgação e discussões acerca de nossos Arquivos.

Em um primeiro momento, a decisão mais simples e imediatista seria simplesmente de não participarmos. Porém, a presença de nosso Arquivo em um evento tão relevante como este vai além da visibilidade proporcionada às nossas instituições, vez que propicia a reflexão para a elaboração de trabalhos desenvolvidos pelos profissionais do setor e a valorização do patrimônio arquivístico, essencial para sua manutenção. Acordamos, então, que, apesar de nossas limitações, nossa participação seria importante para compartilhar nossa experiência.

Face às suas peculiaridades, o Arquivo Público Municipal de Ouro Preto pode servir de inspiração para a implementação de arquivos em outros municípios do País, o que é muito importante, visto que vários deles ainda não possuem ou engatinham no processo de estruturação.

Nossa história se inicia com a necessidade de criação de uma instituição de guarda de acervo produzido através das funções exercidas pela Câmara de Vila Rica, então Capital de Minas Gerais, hoje denominada Ouro Preto. Seu marco inicial foi formalizado através de um Acórdão de Vereança, datado de 11 de agosto de 1751. Apesar de sua longevidade e importância, com a mudança da capital e a falta de incentivos municipais, por um longo período o Arquivo ficou na penumbra, deixando praticamente de existir.

Com o advento da Lei Orgânica e a disponibilização de profissionais para exercerem as atividades do Arquivo, o comprometimento com sua manutenção aumentou, assim como o interesse em implantar uma metodologia de trabalho. E, para isso, o principal objetivo a ser atingido era a ressignificação do Arquivo. 

Neste sentido, o conceito das três idades foi fundamental: transpor a barreira do conceito de arquivo histórico para permanente, que dependia da implantação de gestão específica em âmbito municipal e que era importante para viabilizar o entendimento como instituição arquivística e ganhar amplitude.

A construção de nossa política municipal de arquivos se deu de maneira lenta, mas progressiva. Era preciso, em boa medida, sensibilizar a Administração Pública Municipal sobre a necessidade de entender o Arquivo como parte integrante e fundamental para o bom funcionamento da organização, que não se restringia, apenas, ao acúmulo de uma massa documental sem qualquer controle.

Era necessário, também, a implantação de um programa de gestão de documentos, criado mediante legislação municipal, que permitisse a implantação de instrumentos de gestão arquivística, contratação de arquivistas através de concursos públicos, criação de comissões interdisciplinares, bem como treinamento dos servidores, com vistas a ensinar os procedimentos corretos e, consequentemente, auxiliar na mudança da cultura organizacional em relação aos documentos e aos arquivos.

Além disso, a parceria firmada junto à Fundação de Arte de Ouro Preto – FAOP, foi extremamente importante para viabilizar a conservação e restauração de nosso acervo. Não fosse isso, os trabalhos estariam inviabilizados, vez que, atualmente, não dispomos de profissionais de conservação em nossos quadros, sem contar a falta de infraestrutura e escassez de recursos financeiros para compra de suprimentos e equipamentos específicos.

                           

Atualmente, os trabalhos de Gestão de documentos desenvolvidos na Prefeitura de Ouro Preto Ouro Preto são os seguintes: organização de arquivo intermediário, realocação, organização e acondicionamento dos documentos das Secretarias de Planejamento e Gestão, Fazenda, Controladoria, Obras e Procuradoria Jurídica, além de apoio técnico e atendimento às demandas internas das demais.


Outrossim, o levantamento da massa documental é importante para identificar documentos aos quais os prazos de guarda já venceram, possibilitando, assim, a elaboração e publicação de editais de ciência de eliminação.

Ademais, o arquivo permanente conta com trabalhos de gerenciamento do acervo, atendimento às pesquisas interna e externa e educação patrimonial, através do Programa de Educação e Patrimônio – Ouro Preto, meu lugar. 

                     

Apesar das limitações, o acervo vem sendo reconhecido como espaço importante da memória e da história do município. O uso de ferramentas tecnológicas aproximou o cidadão comum da instituição e melhorou a interlocução com pesquisadores. Notamos, também, um aumento de doações de acervos particulares e familiares, bem como de coleções de revistas, jornais e outros materiais.


Há, também, alguns desafios postos, como a criação de um banco de dados e a digitalização de documentos (parte da coleção de jornais, por exemplo, já foi efetivada). Consequentemente, isso auxiliará as equipes do Arquivo em seus trabalhos e viabilizará maior reconhecimento da instituição como espaço privilegiado de difusão da história e da cidadania ouro-pretana.

                    

Todo esse trabalho é extremamente importante para garantir melhor fluidez no funcionamento da Administração, que necessita das informações que produziu, com certa agilidade, ao mesmo tempo em que gera outras. Proporciona, também, a efetivação de direitos ao cidadão, como a acessibilidade aos documentos públicos e maior transparência administrativa.

Outro aspecto importante é a preservação da história e da memória contida no patrimônio documental da cidade, registrados nos documentos públicos e privados que sejam de interesse público, doados ou preservados por outras pessoas e entidades, que dialogam conosco e que, de alguma forma, estabelecem uma relação de simbiose.

As breves reflexões feitas aqui nos alegram, pois possibilitam contar um pouco de uma trajetória cheia de desafios, mas com muitas barreiras já transpostas.

Esse caminho não teria o mesmo êxito se não fosse pautado na adoção das práticas e procedimentos encontrados na ciência arquivística, o que mostra o quanto o conhecimento é capaz de transformar e fazer com que as nossas instituições atinjam progressos importantes. Vale destacar, também, que o desenvolvimento de uma política de arquivos só é possível com a adesão de instrumentos e o envolvimento de profissionais de diferentes áreas, como ocorre em nossas comissões. 

A partir de nosso relato, é possível acreditar que os municípios brasileiros podem desenvolver políticas eficientes para organizar seus acervos. Sigamos no objetivo de aproximar o presente do passado, difundindo cultura e conhecimento em nossas estruturas físicas ou em nossos canais de comunicação, como também durante a 4ª Semana de Arquivos.

Para o evento, além da postagem, disponibilizamos o Guia de Fundos e Coleções do nosso Arquivo. Ele pode ser acessado no seguinte link:

https://drive.google.com/file/d/1sSUrNxgi3kKcHWFBglGsBsoE-wsuIfqL/view?usp=sharing



Texto elaborado por: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira
Colaboração e revisão: Aécio Ferreira










terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Expansão urbana: Ações de modernidade para a “velha cidade”- As Minas e os Morros entre problemas e soluções.

Vila Rica.
“Entre montanhas, de imensa altura,  e delas rodeada, em forma que a vista senão pode estender, se levantou esta vila, e suposto que abatida pela profundidade em que esta a maior parte dela situada, mais soberba, e opulenta que todas, assim pela frequência de comerciantes, como pela abundância de suas minas, mormente da inacessível Montanha de Tapanhacanga, em cujas fraldas se encosta, e descansa. Esta serra é um Potosi de ouro”

Vista geral da Cidade de Ouro Preto
 O acervo por nós custodiado possui um grande potencial de pesquisa no que tange as ações executadas pelo poder publico que provocaram a transformação de Ouro Preto no que ela é hoje. Nesta postagem apresentamos fragmentos de um estudo que foi encomendado pela Câmara Municipal de Ouro Preto, nos anos finais do século XIX, na busca de soluções para a expansão do núcleo urbano da cidade, limitada pelas antigas concessões de Sesmarias e Datas minerais. 

Medição e Demarcação da Sesmaria limitrofe da cidade de Ouro Preto de 1.808 .
            Estas transformações, definidas ou não por conceitos e regulamentos, como o estabelecimento da ordem urbana por meio da regulação baseada na higiene, comodidade, beleza. Estes conceitos da urbes se desenvolveram ao longo de Idade Média, tendo sido reinterpretados e ressignificados ao longo dos séculos que se seguiram.


O historiador Jacque Legoff, em seu livro “Por Amor às Cidades”, traça um paralelo interessante entre os sentimentos que envolvem a cidade Medieval e a cidade contemporânea. Para o autor, ao contrario do sentimento de perda que uma demolição ou um incêndio causam nos habitante da cidade, “a idade média prefere ser representada como um canteiro de obras... o otimismo dinâmico urbano: A cidade é um lugar em que mais se constrói, do que se conserva ou se destrói.”[1] Esta ideia do medievalista provoca  a reflexão sobre o que a cidade deve construir: convivência, diálogo, conforto, urbanidade. A aproximação e apropriação entre o centro e a periferia devem ser estimuladas. É preciso construir pontes e não muros como nas cidades antigas, que apesar de proteger, limitavam o crescimento e o desenvolvimento, porque o que estava fora dos muros era o inimigo.

O relatório (apresentado abaixo) traz uma extensa análise das ações legais das questões fundiárias da região ocupada por datas Minerais localizadas nas áreas adjacentes aos terrenos da Sesmaria Municipal, neste momento colocado como soluções para o crescimento urbano da cidade.
Parte final do Relatório
O autor do Parecer encomendado pela Câmara Municipal de Ouro Preto é Joaquim Cipriano Ribeiro, responsável pela analise de documentos e depoimentos de possíveis proprietários dos terrenos localizados em Saramenha, Passa Dez de cima e debaixo, Morros de São João Sant’Ana, São Sebastião, do Veloso, Do Ramos e Lages.

Fragmento do relatório
 Devido ao estado de deterioração do original, optamos por fazer a transcrição integral do documento que será colocada à disposição em anexo.

A velha cidade ainda hoje passa por problemas ligados à regulação urbana. A época é outra, mas a discussões sobre propriedades públicas ou particulares e áreas de expansão ainda estão na ordem do dia, com mais um fator complicador que é a proteção do núcleo tombado. Se na idade média a palavra chave era o construir, agora aparece outro conceito – o preservar-. Estas áreas periféricas possuem patrimônio arqueológico e arquitetônico, além da importante função de emoldurar o núcleo Central. 



Link para baixar a transcrição:


Referências bibliográficas:
 
 Revista Barroco (RB): BRITO, Francisco Tavares de.Itinerario geografico com a verdadeira descripçaõ dos Caminhos,Estradas, Rossas, Citios, Povoaçõens, Lugares, Villas, Rios, Montes,e Serras, que Ha da cidade de S. Sebastião do Rio de Janeiro. Atè as Minas do Ouro. Sevilha, 1732. Barroco, Belo Horizonte,v. 4, p.91-118, 1972. (Edição fac-similar)


LE GOFF, Jacques, 1924 - Por amor às cidades: conversações com Jean Lebrun; tradução Reginaldo Carmello Corrêa de Moraes. - São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1998.



Postagem e revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira
 





[1] Fl.138

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

As festas enquanto espaços de rememoração e afirmação de identidades culturais dos povos – O Reinado de Nossa Senhora do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz


Os ritos de memória desempenham papel de socialização, de sentido pragmático,inserindo os indivíduos em cadeias de filiação identitárias, distinguindo-se diferenciando-os em relação aos outros[...]( Cartogra Fernando, Mempria e Identidade. 2001)

Ouro Preto traz como traço marcante de sua história as tradições e manifestações dos povos que a constitui. Neste sentido o resgate dos Festejos à Nossa Senhora do Rosário vem ao longo dos anos proporcionando, não somente aos visitantes, como também aos próprios moradores da cidade um encontro com seu passado.

Grupo Moçambique Santa Efigênia
Foto: Zé do Monte

Grupo de Congado Nossa Senhora do Rosário de Santa Efigênia  do alto da Cruz- Ouro Preto- Festa Sant’Ana Ouro Preto 2018

Nossa população é majoritariamente negra, com tradições e devoções próprias. Desde o período colonial, a Irmandade do Rosário dos Negros se tornou um importante espaço de devoção e socialização. Através das irmandades e Confrarias, o culto à Nossa Senhora do Rosário e aos Santos negros como Santa Efigênia, São Benedito e Santo Elesbão representavam nesta sociedade colonial espaços de distinção e coesão social.


Preservar e difundir as memórias dos antigos moradores, através das tradições por eles deixadas como legado é essencial, na medida em que nossos traços identitários consigam sobreviver e se perpetuar ao longo do tempo. Este ato é uma necessidade para que nossa constituição enquanto ouro-pretano seja compreendida por nós e pelos que convivem conosco.

Figurino  de Raul Belém -  Rainha do Rosário 1993
Figurino  de Raul Belém -  Rei do Rosário 1993
          O Reinado de Nossa Senhora Do Rosário e Santa Efigênia do Alto da Cruz vem ao longo dos anos se consolidando como um destes grandes festejos da cidade de Ouro Preto. A retomada da Festa nos moldes que hoje se apresenta deu-se nos anos de 1993 e 1994, quando a Festa voltou a acontecer, fazendo parte do ciclo de Festejos do mês do Rosário tradicionalmente comemorado no mês de Outubro de cada ano.





Lista das instituições que participaram do Reinado de 1993

 Mais tarde optou-se por separar a Festa do Reinado de Nossa Senhora do Rosário do Alto da Cruz transferindo-a para janeiro e ficando o mês do Outubro para o evento realizado pela Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos do Ouro Preto da Paróquia de Nossa Senhora do Pilar. Nos últimos dez anos a organização dos Festejos passou a ser de responsabilidade da AMIREI- Associação dos Amigos do Reinado, com o apoio de outras instituições como a Prefeitura Municipal, Fórum da Igualdade Racial, Fundação Ouropretana de Folclore e Paróquia de Santa Efigênia.


Neste ano de 2019 a Festa acontecerá entre os dias 06 e 13 de janeiro, conforme programação.
  





Postagem e Revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira

quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

O Arquivo Municipal no ano do Patrimônio Cultural – Temos sim o que comemorar.



Sempre ao final de cada ano procuramos fazer um balaço do que conseguimos realizar neste período de 12 meses. Em Ouro Preto, 2018 foi declarado como o ano do patrimônio Cultural.
Nas postagens anteriores escolhemos abordar alguns patrimônios considerados em risco, deslocando os olhares dos aspectos meramente comemorativos para uma reflexão a cerca dos problemas que enfrentamos no âmbito do patrimônio cultural.
Esta escolha não foi feita de maneira aleatória e descontextualizada. Por sermos um elo extremamente frágil desta corrente, no que tange o reconhecimento do valor histórico, político e cultura das instituições custodiadoras de acervos documentais, optamos por abordar os problemas, em meio a um momento de celebração, tendo por objetivo marcar nossa posição no sentido da preocupação com a salvaguarda, quer seja ela de um prédio tombado que se arruína pelo descuido ou uma manifestação cultural que pode desaparecer caso os detentores deste saber não o disseminar por falta de apoio do poder público, através do reconhecimento do valor das pessoas com seus ofícios e fazeres, bem como a deterioração de um documento que se perde por falta de reconhecimento do seu valor para a história da sua cidade. Todos estes elementos são parte constitutiva da memória, da história e da identidade dos povos.

No Arquivo Público Municipal, apesar das dificuldades, este foi um ano de muitas conquistas, que só se concretizaram devido ao apoio de nossos parceiros:

No âmbito da Gestão de Documentos, conseguimos enfim dar os primeiros passos para construção de uma política de Arquivos, com o início dos trabalhos da gestão de documentos e da organização do arquivo intermediário, com a compra de mobiliário para organização física e com a aprovação da reformulação da Lei de Gestão de Documentos junto à Câmara Municipal.
A conservação preventiva e a restauração cresceram em grande medida com o aproveitamento de um espaço ocioso para instalação de um pequeno laboratório e abertura de vaga para estágio voluntário para estudante de Conservação e Restauro da nossa parceira FAOP.



Esta mesma instituição fez neste último dia 18 de dezembro a entrega de vários códices devidamente restaurados que voltaram a estar disponíveis para pesquisa. Trabalho de qualidade, essencial para a manutenção do nosso acervo, garantindo a proteção e o acesso aos nossos consulentes às informações neles contidas.

 

O Arquivo permanente recebeu ao longo do ano doações de material de consumo obtidos através da sensibilidade da Zulmira Campos, com verba oriunda de contra partida para realização de espetáculos no Teatro Municipal de Ouro Preto, visto que não possuímos verba específica para gestão do arquivo.

No primeiro semestre recebemos a doação de duas leitoras de microfilmes, feita pela Igreja Adventista com sede em Contagem MG.



Em março recebemos o acervo digital que deu origem ao livro “Agenor, o menino de Tripuí”. Em outubro nos foi doado, por parte da Professora Francelina Drummond, uma coleção de microfilmes e de impressos diversos do século XIX e XX. Conseguimos também o recolhimento do Mapa de Medição e Demarcação das Sesmarias da Cidade de Ouro Preto, que se encontrava no auditório do Gabinete.

Documentos dos acervos recebidos por doação



Mapa de Medição e Demarcação das Sesmarias

As ações de educação e patrimônio ganharam novo ânimo com a nossa adesão ao Programa Municipal de Educação e Patrimônio – Ouro Preto Meu Lugar- uma ação conjunta das Secretarias de Cultura e Patrimônio, Educação e Turismo. Além das visitas guiadas ao Arquivo.


 
São muitas conquistas para comemorarmos! Nossa equipe agradece de maneira muito especial a todos estes colaboradores. Desejamos um fim de ano especial e que o próximo ano seja de muitas conquistas!
 


Postagem e Revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira


quarta-feira, 19 de setembro de 2018

O Patrimônio e sua imaterialidade: as duas Mercês de Ouro Preto

A identidade de um povo pode ser reconhecida através de suas tradições. Nossa postagem relembra um traço da vivencia ouro-pretana baseado em sua experiência associativa às Ordens Religiosas.

Teto da Igreja de Nossa Senhora das Mercês e Bom Jesus das Misericórdias
Foto: Lúcia Barone


Nossa Senhora das Mercês e Bom Jesus dos Perdões
Foto: Lúcia Barone

Neste ano de 2018, a Ordem Real e Militar de Nossa Senhora das Mercês da Redenção dos Cativos, instituição fundada por São Pedro Nolasco, em 10 de agosto de 1218 no Reino de Aragão na Espanha, comemora seus 800 anos de fundação.
Esta devoção inicialmente Espanhola, mais tarde se expande pela península Ibérica, e suas possessões além mar. Nas Minas do Ouro se constitui como Irmandade de Nossa Senhora das Mercês em 1743. Depois de alguns anos essa se subdividiu em dois grupos distintos: Nossa Senhora das Mercês e Bom Jesus das Misericórdias, cuja capela se localiza na freguesia do Ouro Preto e Nossa Senhora das Mercês e Bom Jesus dos Perdões com capela construída na Freguesia de Antônio Dias. Estas associações têm como característica importante o aceite de “homens de cor”- crioulos e pardos, o que as tornam extremamente importantes para o estudo e entendimento da sociedade escravista e a distinção e acessão social de seus membros.



O Arquivo Público Municipal guarda em seu acervo o processo de aprovação Pontifício da Ordem Terceira de Nossa Senhora das Mercês da Paróquia do Antônio Dias, datado dos anos de 1847-1848. O dossiê está transcrito no Livro de Registro de Provisões de Patentes e Vendas de Água às folhas 36v a 39. Registro 0475.
Abaixo estão o registro dos Requerimentos, o Breve Apostólico[1] e os Despachos relativos à Ordem 3ª de Nossa Senhora das Mercês da Paróquia de Antônio Dias.




Ilmo. Snr. O abaixo assinado e Prior da Ordem 3ª de Nossa Senhora das Mercês da Paróquia de Antônio Dias desta Imperial Cidade, apresenta a VSª o Breve de Sua Santidade Pio 9º pelo qual confirmou a mesma Ordem, o qual S. M. o Imperador mandou executar acordando para este firma seu Imperial beneplácito, para que também VSª se dignem atender e deferir . E. R.Mce. Joaquim José de Oliveira= Vai deferido na forma requerida. Ouro Preto. Paço da Câmara Municipal . Sessão Ordinária de 11 de Abril de 1848 = O Presidente Figueiredo = O Snrº Jaques.






Illmº e Exmº Snrº. = Dizem o Prior, Comissário e mais Definitorio da Ordem 3ª de Nossa Senhora das Mercês Ereta na  Paróquia de Nossa Senhora da Conceição desta Imperial cidade de Ouro Preto, Bispo de Mariana deste Império do Brasil, que S M O Imperador O Senhor D. Pedro 2º. Houve pro bem Acordar o Seu Imperial Beneplácito em 16 de Dezembro de 1847 para que se possa executar o Breve pelo qual Sua Santidade o Ilustrado Pio 9º Sumo Pontífice Romano. Houve por bem canonizar o referida Ordem com a prerrogativa que já goza em 17 de agosto do mesmo ano, como incluso apresentam a VEx ª. se digne deferir como for de direito E. R. M. = O Prior Antônio José Dias Coelho = Vai deferido = Palácio do Governo no Ouro Preto 5 de Fevereiro de 1884. = Dias de Carvalho= Nº 13 = R$160 Pagou cento e sessenta reis de selo Ouro Preto 8 de Fevereiro de 1848 = Pimenta= Reis=.


Senhor = Dizem o Prior e mais Irmãos da Confraria de Nossa Senhora das Mercês, ereta em sua Capela da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição da Imperial Cidade de Ouro Preto que tendo obtido da Sua Santidade o Breve incluso de ereção em Ordem Terceira, com todas as prerrogativas nele contidas e necessitando os suplicantes, para que o mesmo Breve tenha o dito efeito, que V. M. I haja de prestar-lhe o Seu Imperial Beneplácito, vem cheios de respeito impetrar semelhante graça e por isso P.P. à V. M. seja servido assim deferi-lhes- E. R. M. José da Gama Lobo= Não ponho duvida com tanto que primeiro se mostre pago o selo da portaria de licença para a impetrar de que se apresenta Certidão por se ter desencaminhado o original = Rio de Janeiro 15 de Dezembro de 1847 = Campos.


Referencias  Bibliográficas:

Teixeira , Vanessa Cerqueira.  A devoção Mercedária e o associativismo leigo da Europa ao Novo Mundo: redenção dos cativos, salvação das almas e apropriações do culto.  Temporalidades – Revista de História, ISSN 1984-6150, Edição 25, V. 9, N. 3 (set./dez. 2017) pgs. 349 a 371. Acessível em  <http://www.historia.uff.br/stricto/td/1639.pdf>.


Postagem e Revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira







[1] Um breve apostólico ou breve pontifício é um tipo de documento circular assinado pelo Papa e referendado com a impressão do Anel do Pescador, que geralmente tem um comprimento menor e uma importância inferior aos demais documentos pontifícios, como a bula, a encíclica ou a carta apostólica.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

Patrimônio Documental Público e os Acervos Familiares – Da doação à Difusão e os desafios da conservação.



Nossa segunda postagem referente ao ano do Patrimônio Cultural – cujos objetivos do blog é não apenas tratar este ano como meramente comemorativo, mas também como momento importante para reflexões dos pontos sensíveis destes patrimônios,

O objetivo primeiro de um Arquivo Público Municipal é tratar da documentação oriunda do poder público Municipal, com objetivo de salvaguardá-la e colocá-la a disposição do cidadão, para assegurar a este seus direitos a cidadania, a informação, pesquisa e preservação da memória de seu espaço e sua cultura. Para além do trato puramente probatório, o arquivo também trabalha com a memória e com historia do município, e nesse sentido, ter a oportunidade de anexar a seu conjunto acervos de natureza particular, mas com valor social, enriquece substancialmente a Instituição.

Em muitos casos, esse patrimônio se encontra acumulado dentro das casas dos moradores, que, talvez por desinformação privam a cidade de importantes páginas de sua história, que podem ser contatadas através de fotografias, manuscritos, documentos iconográficos, podendo ser perdidos por este desconhecimento.
O recolhimento ou recebimento de doações de acervos familiares ainda são bem raros em Ouro Preto. Há alguns anos, o Arquivo Público Municipal de Ouro Preto recebeu, por doação, um importante acervo pessoal pertencente à Família Xavier da Veiga. Recebemos também o acervo Tonico Zelador. Em 2017 foi a vez da coleção de jornais da cidade do século XX, e em 2018 recebemos acervo digital do Senhor Agenor Alves, composto por seus cadernos escolares das décadas de 1930-1940.
 
Abaixo escolhemos duas cartas do fundo privado do Xavier da Veiga endereçadas ao “Bom Patrão” (José Pedro) por seu empregado Horácio. Numa primeira análise, podemos perceber de alguma maneira, como Horácio é impactado pelas mudanças em seu modo de vida, quando da mudança da capital de Ouro Preto para a cidade de Minas, mais tarde denominada Belo Horizonte. Esse documento foi redigido no momento de transição entre as tradições do passado e a modernidade, que se apresentava na nova capital. Estes documentos descrevem um pouco do cotidiano deste homem em um novo lugar.

Cartas para Xavier _ Um homem de arquivos e  memórias; 


Carta 1:

 

Minas, Sábado, 11 de outubro de 1896 5 horas da tarde.
            Recebi hoje, já no serviço a vossa cartinha de 15 que muito me contentou por saber que tudo ai vai regularmente.
            Respondendo-a, dou-vos a boa notícia que não irei amanhã, pois a minha velha não quer que eu deixe São Sebastião e São Roque sem a minha continência amanhã em sua procissão. E é como penso só temendo doença sobre a terra, devo prestar homenagem ao santo que dela nos livra embora mais cara me fique a não ida.
            Como vereis pela data desta, hoje é sábado e Toninha já levou as flores de Estela. É o dia de sua alegria este de hoje. Quando leva flores ao cemitério passa bem e acha tudo bom. Deus lhe dê saúde para assim fazer por muitos anos. Nós queremos bem, ao patrão é por causa das meninas. A vida delas é a nossa e não sabemos porque!!...Parece que agente vive da vida dos outros.
            Falo, zango, e mostro valentia!...Sai o patrão com a família (e mesmo sem ela!!) tudo está mudado – nos falta alguma cousa, ficamos no ar – tudo que nos rodeia é falso. Ficamos sozinhos – entretanto tudo vai bem, nada nos falta – mas parece que nos falta tudo. Será isso a saudade?... Dessa maneira, creio... Não irei a São Gonçalo nunca e o Belo Horizonte é duvidoso.
            Mandei hoje, às 11hs do dia, pelo Ricardo Café, as 10$000 ou Dr. Jacob.
            Anteontem vos remeti 4 folhas impressas da Revista e ontem imprimi mais uma, que não mandei por ser pouco. Creio que o nosso chefe vos tem mandado provas, pois estão cinco folhas impressas e quatro em provas, talvez para lá e para cá.
            Falei ao Coronel Jacinto Dias Coelho a respeito do imposto e eu mesmo tenho que pagar mas lá pelo dia 5 ou 6 por falta de ocasião, porque em caindo no serviço não posso arredar o pé por falta de confiança nos superiores e nas inferiores – e por isso, graças a Deus, tenho sido irrepreensível.
            Mandem dizer si precisão alguma cousa para levar no outro domingo.

Horácio

  Carta 2:






 Minas, 1º de Agosto de 1898.
Saúde e sossego é o que vos desejo e a todos os vossos. A minha velha tem-me atormentado para que eu vos escreva a miúdos e eu, para vingar-me dela procurarei fazer esta de modo que desagrade imensamente às ouro-pretanas ai de vossa casa, embora ninguém as estime mais do que eu.
A cidade de Minas, ninguém o pode negar, é mesmo agora que quase tudo é mato-estrada - poeira-e vento, bonita e magnificamente delineada. Faça o patrão ideia do quanto goza um pobre diabo como eu que, tendo saído às 6 da manhã, ficando preso o dia inteiro até 5 da tarde na sala de máquina, chegando  em casa mais morto do que vivo às 6 da tarde, não pode abrir uma vidraça de sua casa para ver a bela noite que chega porque si o fizer – a vidraça será invadida por compacta  e harmoniosa nuvem de pernilongos que entra para atormentar-lo a noite e dia inteiro!! Garanto que em Ouro Preto não há destas belezas!... e distração para quem, como eu, não pode passear.
Ai no Ouro Preto existem muitas caixas d’água, porém, todas reunidas não são tão majestosas como a daqui. O local onde ela está colocada é alto e tem uma vista esplêndida. Ontem domingo, eu e Santinha lá fomos passear. Avista-se de lá perfeitamente a cidade de Santa Luzia. O guarda da caixa d’água recebeu-nos com agrado, mostrou-nos tudo, deu-nos bom café e informações de muitas cousas referentes às águas. Atualmente a água única que abastece a cidade está reduzida à oitava parte por causa da seca. Desde às 6 da tarde a maior parte da cidade fica sem água até pela madrugada e as nossas maquinas já algumas vezes tem deixado de funcionar por falta d’água no motor... Garanto que em Ouro Preto que é coberta de tantas glórias e grandezas não tem destes acontecimentos que tanto diverte a gente mandando os meninos com uma lata enfiada em um pau buscar água longe para molhar o papel e eles gostam do passeio em charola!...
Segundo informarão - me – O Dr. Francisco Júlio comprou um bonito e elegantíssimo prédio aqui no centro da cidade.  O local é muito bom porque fica não longe do tribunal, muito próximo da imprensa, próximo do grande hotel, do ponto de embarque e das igrejas além de ficar no meio do comercio e onde há mais vida nesta cidade.
Aqui tudo é bonito e novo!...Em diversas ruas, principalmente de meu lado e especialmente nas proximidades da casa o Dr. Edmundo existem águas servidas correndo pelas ruas ou estagnadas que ao sol quente aromatiza aquela vizinhanças insuportavelmente e se tornam excelentes e úteis viveiros de nuvens de pernilongos. Ouro Preto é pobre – nada tem de bom.
Saudosas lembranças de Santidade para D. Lulu, Cicina, Dudu, Zininha, Luizinha e Milinha. Ai... e siá[sic] Chiquinha também.

Horacio.


Infelizmente os documentos não são reconhecidos como um patrimônio importante para o poder público. Dessa forma, os cidadãos não conhecem o potencial dos arquivos para a disseminação de informações de grande relevância para o cumprimento de seus direitos e deveres, bem como  de agentes preservadores da memória e da cultura.

É grande a fragilidade dos acervos particulares a serem reconhecidos e tratados como parte constituinte da nossa história. Isso por depender da conscientização dos indivíduos que detém esse patrimônio documental e de uma política pública mais efetiva nesse sentido. Esse processo de reconhecimento, recolhimento e tratamento desses acervos traz a garantia de proteção assegurada a eles, já que promove a preservação e o acesso, mas representa um grande desafio para os arquivos públicos. Sabemos que somos um elo frágil da cadeia, em uma cidade extremamente rica em seu patrimônio edificado tombado. 


 
  Referências:
 
Imagens:  Fundo: José Pedro Xavier da Veiga. Arquivo Público Municipal de Ouro Preto.  
Postagem e Revisão: Helenice Oliveira e Polyana Oliveira