quarta-feira, 18 de abril de 2012

A Inconfidência Mineira - homens e monumentos

No próximo dia 21 de abril, a Praça Tiradentes será novamente palco de rememoração da Inconfidência Mineira. A conjuração, que envolveu representantes de algumas vilas mineiras no final do século XVIII, teve, em Vila Rica, seu espaço principal de movimentação, como é de amplo conhecimento.

Durante a primeira metade do século XIX, poucas foram as menções a Tiradentes, Gonzaga, Cláudio Manoel e demais inconfidentes, pois, do ponto de vista da Coroa portuguesa, tratavam-se de traidores, condenados ao pelo crime de lesa-majestade. Mesmo após a Independência, em 1822, afirmar gloriosamente a Inconfidência, era uma questão conflituosa, pois os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II eram descendentes da dinastia de Bragança, que, com D. Maria I, havia condenado os conjurados[1].

A utilização da praça principal de Ouro Preto como espaço de memória da Inconfidência só foi acontecer em 1867. No local, então chamado de Praça da Independência, foi lançada, em 3 de abril de 1867, a pedra fundamental do primeiro monumento em memória aos inconfidentes. A peça construída em pedra ficou posteriormente conhecida como Coluna Saldanha Marinho, devido ao nome do conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, presidente da província de Minas Gerais entre os anos de 1865 e 1867, período da ereção do monumento. Saldanha Marinho foi um dos principais políticos liberais do Império e teve, a partir de 1870, marcante papel no movimento republicano, chegando, já no final da vida, a ser senador do primeiro senado da República brasileira.

O lançamento da pedra fundamental da Coluna Saldanha Marinho foi acompanhado por uma celebração cívica da qual fizeram parte moradores, políticos e importantes representantes da então Imperial Cidade de Ouro Preto[2]. Em 1882, houve novamente uma comemoração especial referente aos noventa anos da execução de Tiradentes. Já nessa época, o movimento republicano crescia no Brasil e a imagem de Joaquim José passava, cada vez mais, a ser associada à República. Naquele ano, os festejos duraram três dias, tendo sido relatados no jornal “A Província de Minas”. Na noite do dia 23 de abril, houve uma especial decoração e movimentação na praça:

        A noite de 23 foi destinada aos festejos na praça da Independencia, que offerecia um aspecto verdadeiramente phantastico!
Em frente á entrada principal do jardim erguia-se um bello e grande arco, trabalho do mesmo scenographo Bertal, e sobre cada uma das vinte e quatro pilastras que circundão o jardim elevava se uma collossal lanterna transparente, tendo nas quatro faces: o vulto de um dos inconfidentes com o seu nome emblemas allusivos à sua vida ou a factos da conjuração, disticos e inscripções commemorativas dos feitos em que figurarão, e vasos de flores pintados, como que thuribulando a memoria dos benemeritos patriotas.
No cimo da columna da praça, illuminada em spiral, vião-se quatro bonitas aguias que nitidamente destacavao-se um fundo negro, pelo foco de vivissima luz interna, que dava-lhes a scintilação de um esplendido pharol”[3].

A “columna da praça” permaneceu sendo o único monumento, em Ouro Preto, edificado com o fim de se lembrar a memória da Inconfidência até 1894, quando foi inaugurada a atual estátua de Tiradentes. A coluna foi retirada da praça poucos dias antes da inauguração da nova estátua. Após algumas idas e vindas, a coluna está atualmente fixada na Praça da Estação, em Ouro Preto.

 
 Imagem - Públio Atahyde5

A ideia de se construir um novo monumento aos inconfidentes surge exatamente com a primeira Constituição Mineira do período republicano, de 1891. Naquele momento esperava-se que o novo monumento fosse inaugurado em 1892, nas comemorações pelo centenário da execução do alferes. Entretanto houve atrasos no processo de contratação e realização da obra, fazendo com que o ato acontecesse dois anos depois, em 21 de abril de 1894.

Houve, então, um concurso para se selecionar o melhor projeto para o monumento. O vencedor foi o engenheiro José de Magalhães que, entretanto, não compareceu no prazo legal para assinatura do contrato e realização da obra. O segundo colocado foi o italiano Virgilio Cestari, que concebeu uma obra:

de estylo grego, da mais nobre architectura de ordem dorica e corinthia, formado por uma trabeação de stylo jonico repousando sobre quatro capiteis de bronze verde, no mesmo stylo, cuja base encima dois plynthos terminados por um pedestal e sócco, o qual fica terminado pelas competentes escadas. Na frente do obelisco sobre uma base acha-se um leão de bronze verde, symbolisando força e o triumpho da idéia, o qual trava nas garras o estandarte da tyrannia, encimando o monumento a estatua do proto-martyr, ao marchar para o supplicio.[4]
           
            Cestari, com a eliminação do primeiro colocado, foi convocado para a realização da obra, o que ocorreu, porém com atraso pelo fato do mesmo se encontrar, no momento do chamado, em um trabalho no Uruguai. A obra foi terminada no final de 1893, porém sua inauguração oficial aguardou o próximo 21 de abril. Durante esse período conviveram, na praça, os dois monumentos aos inconfidentes.

O dia da inauguração foi mais uma vez cercado por celebrações. O jornal Minas Gerais dedicou sua edição do dia para honrar a Inconfidência, seus participantes e contar a história dos monumentos erguidos em Ouro Preto. Conforme se vê a seguir:

 Em, 21 de junho de 1894, Cestari enviou à Câmara de Ouro Preto, uma carta de agradecimento pela oportunidade de feitura da obra.
Governo-Vereança - 1894 - documento 02.876
Nesta carta, Virgilio Cestari, dirige seus agradecimentos ao ilustre presidente da CMOP, Randolpho Bretas, bem como os demais vereadores, pela grande honra de ter sido escolhido para projetar o monumento em homenagem a José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes.


O Arquivo Público Municipal de Ouro Preto possui ainda outros exemplares de jornais que tiveram edições especiais para o 21 de abril, como essa bela capa da edição de 21 de abril de 1924.




[1] CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; FURTADO, João Pinto. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
[2] Diário de Minas, Ouro Preto, Edição 207, 04/04/1867, p.1.
[3] A Província de Minas, Ouro Preto, Edição 97, 24/04/1882, p.1.
[4] “Monumento a Tiradentes”, extraído do relatório do Diretor da Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao Vice-Presidente do Estado, 1892. Arquivo Público Mineiro (APM), COL.APM Cx. 01 – Doc 13 . 1892.
Fundo CMOP: Série: Governo - Sub-série: Vereança - Ano: 1894 - documento 02876
[Postagem: Vanessa Pereira Silva e Jussara Riodouro (Estagiária). Revisão: João Paulo Martins e Helenice Oliveira]

A Inconfidência Mineira - homens e monumentos

No próximo dia 21 de abril, a Praça Tiradentes será novamente palco de rememoração da Inconfidência Mineira. A conjuração, que envolveu representantes de algumas vilas mineiras no final do século XVIII, teve, em Vila Rica, seu espaço principal de movimentação, como é de amplo conhecimento.

Durante a primeira metade do século XIX, poucas foram as menções a Tiradentes, Gonzaga, Cláudio Manoel e demais inconfidentes, pois, do ponto de vista da Coroa portuguesa, tratavam-se de traidores, condenados ao pelo crime de lesa-majestade. Mesmo após a Independência, em 1822, afirmar gloriosamente a Inconfidência, era uma questão conflituosa, pois os imperadores D. Pedro I e D. Pedro II eram descendentes da dinastia de Bragança, que, com D. Maria I, havia condenado os conjurados[1].

A utilização da praça principal de Ouro Preto como espaço de memória da Inconfidência só foi acontecer em 1867. No local, então chamado de Praça da Independência, foi lançada, em 3 de abril de 1867, a pedra fundamental do primeiro monumento em memória aos inconfidentes. A peça construída em pedra ficou posteriormente conhecida como Coluna Saldanha Marinho, devido ao nome do conselheiro Joaquim Saldanha Marinho, presidente da província de Minas Gerais entre os anos de 1865 e 1867, período da ereção do monumento. Saldanha Marinho foi um dos principais políticos liberais do Império e teve, a partir de 1870, marcante papel no movimento republicano, chegando, já no final da vida, a ser senador do primeiro senado da República brasileira.

O lançamento da pedra fundamental da Coluna Saldanha Marinho foi acompanhado por uma celebração cívica da qual fizeram parte moradores, políticos e importantes representantes da então Imperial Cidade de Ouro Preto[2]. Em 1882, houve novamente uma comemoração especial referente aos noventa anos da execução de Tiradentes. Já nessa época, o movimento republicano crescia no Brasil e a imagem de Joaquim José passava, cada vez mais, a ser associada à República. Naquele ano, os festejos duraram três dias, tendo sido relatados no jornal “A Província de Minas”. Na noite do dia 23 de abril, houve uma especial decoração e movimentação na praça:

        A noite de 23 foi destinada aos festejos na praça da Independencia, que offerecia um aspecto verdadeiramente phantastico!
Em frente á entrada principal do jardim erguia-se um bello e grande arco, trabalho do mesmo scenographo Bertal, e sobre cada uma das vinte e quatro pilastras que circundão o jardim elevava se uma collossal lanterna transparente, tendo nas quatro faces: o vulto de um dos inconfidentes com o seu nome emblemas allusivos à sua vida ou a factos da conjuração, disticos e inscripções commemorativas dos feitos em que figurarão, e vasos de flores pintados, como que thuribulando a memoria dos benemeritos patriotas.
No cimo da columna da praça, illuminada em spiral, vião-se quatro bonitas aguias que nitidamente destacavao-se um fundo negro, pelo foco de vivissima luz interna, que dava-lhes a scintilação de um esplendido pharol”[3].

A “columna da praça” permaneceu sendo o único monumento, em Ouro Preto, edificado com o fim de se lembrar a memória da Inconfidência até 1894, quando foi inaugurada a atual estátua de Tiradentes. A coluna foi retirada da praça poucos dias antes da inauguração da nova estátua. Após algumas idas e vindas, a coluna está atualmente fixada na Praça da Estação, em Ouro Preto.

 
 Imagem - Públio Atahyde5

A ideia de se construir um novo monumento aos inconfidentes surge exatamente com a primeira Constituição Mineira do período republicano, de 1891. Naquele momento esperava-se que o novo monumento fosse inaugurado em 1892, nas comemorações pelo centenário da execução do alferes. Entretanto houve atrasos no processo de contratação e realização da obra, fazendo com que o ato acontecesse dois anos depois, em 21 de abril de 1894.

Houve, então, um concurso para se selecionar o melhor projeto para o monumento. O vencedor foi o engenheiro José de Magalhães que, entretanto, não compareceu no prazo legal para assinatura do contrato e realização da obra. O segundo colocado foi o italiano Virgilio Cestari, que concebeu uma obra:

de estylo grego, da mais nobre architectura de ordem dorica e corinthia, formado por uma trabeação de stylo jonico repousando sobre quatro capiteis de bronze verde, no mesmo stylo, cuja base encima dois plynthos terminados por um pedestal e sócco, o qual fica terminado pelas competentes escadas. Na frente do obelisco sobre uma base acha-se um leão de bronze verde, symbolisando força e o triumpho da idéia, o qual trava nas garras o estandarte da tyrannia, encimando o monumento a estatua do proto-martyr, ao marchar para o supplicio.[4]
           
            Cestari, com a eliminação do primeiro colocado, foi convocado para a realização da obra, o que ocorreu, porém com atraso pelo fato do mesmo se encontrar, no momento do chamado, em um trabalho no Uruguai. A obra foi terminada no final de 1893, porém sua inauguração oficial aguardou o próximo 21 de abril. Durante esse período conviveram, na praça, os dois monumentos aos inconfidentes.

O dia da inauguração foi mais uma vez cercado por celebrações. O jornal Minas Gerais dedicou sua edição do dia para honrar a Inconfidência, seus participantes e contar a história dos monumentos erguidos em Ouro Preto. Conforme se vê a seguir:

 Em, 21 de junho de 1894, Cestari enviou à Câmara de Ouro Preto, uma carta de agradecimento pela oportunidade de feitura da obra.
Governo-Vereança - 1894 - documento 02.876
Nesta carta, Virgilio Cestari, dirige seus agradecimentos ao ilustre presidente da CMOP, Randolpho Bretas, bem como os demais vereadores, pela grande honra de ter sido escolhido para projetar o monumento em homenagem a José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes.


O Arquivo Público Municipal de Ouro Preto possui ainda outros exemplares de jornais que tiveram edições especiais para o 21 de abril, como essa bela capa da edição de 21 de abril de 1924.




[1] CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da república no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990; FURTADO, João Pinto. O manto de Penélope: história, mito e memória da Inconfidência Mineira de 1788-9. São Paulo: Companhia das Letras, 2002.
[2] Diário de Minas, Ouro Preto, Edição 207, 04/04/1867, p.1.
[3] A Província de Minas, Ouro Preto, Edição 97, 24/04/1882, p.1.
[4] “Monumento a Tiradentes”, extraído do relatório do Diretor da Secretaria de Estado da Agricultura, Comércio e Obras Públicas ao Vice-Presidente do Estado, 1892. Arquivo Público Mineiro (APM), COL.APM Cx. 01 – Doc 13 . 1892.
Fundo CMOP: Série: Governo - Sub-série: Vereança - Ano: 1894 - documento 02876
[Postagem: Vanessa Pereira Silva e Jussara Riodouro (Estagiária). Revisão: João Paulo Martins e Helenice Oliveira]